Nenhum pecado desertou de mim.
Ainda assim eu devo estar nimbada,
porque um amor me expande.
Como quando na infância
eu contava até cinco para enxotar fantasmas,
beijo por cinco vezes minha mão.
Este é meu corpo, corpo que me foi dado
para Deus saciar sua natureza onívora.
Tomai e comei sem medo,
na fímbria do amor mais tosco
meu pobre corpo
é feito corpo de Deus.
PRADO, Adélia. A duração do dia. Rio de Janeiro, São Paulo: Record, 2010. p.28.
Não conheço a poeta como ainda vou conhecer, mas quis reproduzir aqui um pouco do que me tocou particularmente.
Andei a ler poemas dela e também frases esparsas. Fiquei intrigada com esse específico poema, que tem uma ideia de amor honesta. Não há o medo de falar em Deus e em graça, não há o medo de assumir-se como criança desejante, não há vergonha do corpo nem teorias da conspiração! Não há purificação obrigatória, somos postos diante do imediato, do que se pede, vamos ao tosco porque ele faz bem.
É o corpo quem fala, fala através da imagem da mão e da boca que a beija. E é uma fala de mulher... Gosto da ideia de podermos ser toscas.
Sem arremate, mais Adélia: "As línguas são imperfeitas pra que os poemas existam..."
Que bom poder sair-se com um "enxotar fantasmas". De repente lembrei também de J.J.Veiga e seu impagável Aquele mundo de Vasabarros... Há situações que pedem isso mesmo, sem pôr nem tirar, enxotar como faz uma criança a um chato.