Pondera, Pandora, como se isto fosse um diário

Pondera, Pandora, como se trabalhasse para rever-se, inteira, neste diário

Um ou dois aforismos
Não sei explicar o motivo, mas sempre ouvi com um misto de curiosidade e desconfiança as pessoas que gostam de dar opinão introduzida mais ou menos assim: "como diz o poeta" ou "e como disse o outro". Apesar disso, coleciono alguns aforismos, cujos autores eu prefiro indicar a deixar no ar.

Teixeira de Pascoaes, por exemplo, tinha uns fantásticos: "Amar é dar à luz o amor, personagem transcendente"; "Só os olhos das árvores vêem a esperança que passa"; "Existir não é pensar; é ser lembrado"; "A indiferença que cerca o homem demonstra a sua qualidade de estrangeiro"; "Vivemos como num estado de transmigração para a nossa fotografia".

Ele viveu em Amarante! Pena que não se respire o mesmo ar nos dias de hoje...

O aforismo dele de que eu mais gosto, no entanto, entre os que saíram publicados pela Assírio & Alvim, traz o seguinte:

"A seara não pertence a quem a semeia, pertence ao bicho que a rouba e come".

Sendo homem da terra, do chão, dos cheiros da natureza, muito embora culto, eu só posso concordar. Para um espírito muito suave - a não ser quando sente-se desafiado -, esse tipo de sabedoria condensada é sem dúvida ensinamento.


sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Esses ex-alunos da Fundação me matam!

Conversando com um ex-aluno alegre e ativo, coisa de minutos atrás mesmo, senti uma fagulha:
- Ah, vou nessa! Vou mostrar no blog textos diferentes na origem... feitos por causa do estado de graça da melhor noite da minha vida.

Paulo Leminski dizia que para um poema são precisos anos de vida! As imagens que ele foi buscar são todas muito palpáveis. Querem ver?

um bom poema leva anos
   cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
   seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
   sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
   três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
   uma eternidade, eu e você,
caminhando junto


Pra mim fica mais claro, depois dessa sugestão do poeta, que os meus pequenos poemas de comoção pelo nascimento do meu filho já aprendiam a andar antes de o Átila chegar a esse mundo.

Sendo muito franca, sou adepta dessa concepção de evolução. Eu própria tinha um sonho com o meu filho, desde a minha adolescência. No sonho ele era o Átila (o rei huno, não, mas o meeeeu Átila), embora o sobrenome/apelido fosse outro - que não é o meu nem o do pai dele.
Estávamos a brincar num parque de diversões dentro de uma praça circular, grande.
Eu já era uma mulher tensa (não!) e ele tanto me compreendia, que fazia as vezes de amigo, desde pequeno; dizia para eu me acalmar, porque ele gostava de todas as pessoas da família, inclusive daquelas de quem eu, como mãe perturbada, sentia ciúmes...

Fujo de comentar mais o sonho recorrente, porque já calhou a mim, mais de uma vez, essa onda de pensar que antevejo e vislumbro! Não refuto a mão que ele estendia para mim em sonho, claro que não, mas fazer figura de má diante dele, num futuro próximo, é pior do que pesadelo, seria realidade a mais para mim.
Eu sonhava com meu filho, entenda-se isso como for possível.

E na sequência do nascimento dele numa maternidade pública da cidade do Porto, cheguei a casa em Amarante e fiz uns poemas. Estava profundamente agradecida por ter estado com outra mãe, num quarto de hospital simples, sem a barreira de uma sala só para bebês. Em Portugal, filhos ficam ao lado da cama das mães, num bercinho em acrílico. O meu, como o de muitas outras, presumo eu, passou toda a noite deitado em cima de mim, barriga contra barriga. Foi assim que eu vi as horas caminharem.

É de um fruto dessas horas - e otras cositas más - que este post trata.

Já uma vez publiquei poemas numa revista chamada Crioula; depois mandei mais uns para o blog de uns amigos, o Jean Narciso Bispo Moura e o Luciano Melo. Lanço aqui e agora as aspirações a hai-kai que mais me tocam, nessa aventura de ser mãe:






Atravessamos a noite
pela janela.
Quarto de hospital.

 
Mãe e filho numa maratona:
reta final do milagre
de (re)nascer.

 
Naquele que foi nosso ninho,
só uma moldura continha um vidro.
A ternura transbordava.

Projeção do instinto maternal,
pele com pele,
placidez.

Projeto-resposta
à pergunta-essência:
“Estás em mim?”.