Pondera, Pandora, como se isto fosse um diário

Pondera, Pandora, como se trabalhasse para rever-se, inteira, neste diário

Um ou dois aforismos
Não sei explicar o motivo, mas sempre ouvi com um misto de curiosidade e desconfiança as pessoas que gostam de dar opinão introduzida mais ou menos assim: "como diz o poeta" ou "e como disse o outro". Apesar disso, coleciono alguns aforismos, cujos autores eu prefiro indicar a deixar no ar.

Teixeira de Pascoaes, por exemplo, tinha uns fantásticos: "Amar é dar à luz o amor, personagem transcendente"; "Só os olhos das árvores vêem a esperança que passa"; "Existir não é pensar; é ser lembrado"; "A indiferença que cerca o homem demonstra a sua qualidade de estrangeiro"; "Vivemos como num estado de transmigração para a nossa fotografia".

Ele viveu em Amarante! Pena que não se respire o mesmo ar nos dias de hoje...

O aforismo dele de que eu mais gosto, no entanto, entre os que saíram publicados pela Assírio & Alvim, traz o seguinte:

"A seara não pertence a quem a semeia, pertence ao bicho que a rouba e come".

Sendo homem da terra, do chão, dos cheiros da natureza, muito embora culto, eu só posso concordar. Para um espírito muito suave - a não ser quando sente-se desafiado -, esse tipo de sabedoria condensada é sem dúvida ensinamento.


segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Pela paz - e mais uma canção que eu não compreendo

"- Vocês que são do rock, aprendam a amar o Brasil".

Ao dizer isso (talvez quase isso) - já faz 10 anos e eu li mas não ouvi essa frase ser proferida -, Carlinhos Brown tentava convencer pessoas que atiravam garrafas contra ele a pararem de o fazer. Estavam numa das edições do "Rock in Rio". Ele era o primeiro músico a se apresentar naquele dia e, em seguida, era a vez do Guns N' Roses, por quem os da algazarra aguardavam.

Vejam só que ele insistiu, minutos depois da primeira tentativa: "- Podem jogar o que quiser, eu sou da paz e nada me atinge".

Pois é. Conversar, no Brasil, pode dar um prazer imenso porque há gente muito curiosa. Só que também pode levar à exaustão, se o público for de adolescentes sem parada ou de gente que se comporta como se estivesse na adolescência.

Não invento teoria, quando faço esse tipo de afirmação; fui professora em São Paulo durante 8 anos consecutivos. Errei muito, porque perdia as estribeiras com meus alunos de menos de 18 anos. Por outro lado, fiz o que  julgava ser da minha competência; não me sentiria à vontade se imitasse as estratégias de um colega. Trabalhei ao lado de professores práticos e respeitados, não me esqueço deles, mas em geral a minha ação a portas fechadas acontecia no intervalo entre um imprevisto e o merecido descanso, por isso imitar seria o mesmo que ir além da minha margem de segurança para aprender.

Por isso, Carlinhos Brown pode ter sido alvo de muitas piadas, depois do episódio que eu fui buscar, mas foi autêntico. Disse pacificamente o que pôde. Ele também é autêntico ao compor, não tenho dúvidas. Lembro de uma entrevista que deu ao Jô Soares. À época eu não achei muita graça à observação que ele fez; disse que ainda faria um curso de ponto e vírgula... Claro que ele estava a assumir o fato de ter pouco conhecimento formal de língua portuguesa. Hoje vejo outro lado da resposta com que ele se saiu. É uma forma pitoresca, castiça de confirmar a existência de uma lacuna que o público do Jô não costuma perdoar.


Vou contrariar, por fim, uma ideia que tenho ouvido mais vezes do que é suposto.
Essa mesma pessoa que manteve a calma e que falou em nome do Brasil, em nome do amor, tem fãs na Europa, fez concertos em países africanos, concorre ao Grammy Latino e nesse sentido representa o seu país. Representa muito mais do que quem bate no peito para dizer que defendia o artista brasileiro dos ataques (quem os viu?) de um artista gringo. Pensei no Roger, sim, do Ultraje a Rigor, sobre quem falei no post anterior a este. Se um corre o risco de parecer piegas, o outro corre o risco de parecer vazio. Mais consistente construir uma imagem com calma, falar em calma, agir com calma.

PS -  é desta mesma paz que fala O Rappa?


Minha Alma

a minha alma está armada

e apontada para a cara
do sossego
pois paz sem voz
não é paz é medo

às vezes eu falo com a vida
às vezes é ela quem diz
qual a paz que eu não quero
conservar
para tentar ser feliz

as grades do condomínio
são para trazer proteção
mas também trazem a dúvida
se não é você que está nessa prisão
me abrace e me dê um beijo
faça um filho comigo
mas não me deixe sentar
na poltrona no dia de domingo

procurando novas drogas de aluguel 
nesse vídeo coagido
pela paz que eu não quero seguir admitindo

às vezes eu falo com a vida
às vezes é ela quem diz
qual a paz que eu não quero
conservar
para tentar ser feliz

Calma


"Briga, chuva e muita festa: Ultraje a Rigor rouba a cena no SWU
13/11/2011 18h50 • Guilherme Guedes


A briga aconteceu entre integrantes das equipes de Peter Gabriel e do Ultraje a Rigor, segundo Roger, vocalista da banda brasileira. Eles discutiram porque o show do Ultraje atrasou em razão da chuva. 

"Muito obrigado ao nosso amigo Chris Cornell". A ironia de Roger Moreira, vocalista e guitarrista do Ultraje a Rigor, foi a faísca que faltava para disparar uma briga entre roadies e membros da produção do grupo paulista com integrantes da equipe do cantor Peter Gabriel. Ficou confuso? Pois é. O público do SWU Music & Arts Festival também.

Tudo começou com a chuva forte que cobriu Paulínia no meio da tarde, pouco antes da apresentação do Ultraje no Palco Consciência. Os ventos e a água atrasaram a montagem do palco, e o show do grupo precisou ser atrasado, antecipando a performance da Tedeschi Trucks Band, no Palco Energia.

A produção de Peter Gabriel, que veio ao Brasil acompanhado de uma orquestra, passou a pressionar o grupo brasileiro para encurtar o show e tentar compensar o atraso, que a essa altura beirava as duas horas. Com informações confusas, Roger expôs a confusão ao público, mas jogou a culpa em Cornell. A pancadaria no palco (que você vê na galeria acima) atiçou a plateia, que tomou partido do Ultraje a proporcionou um dos shows mais animados desta edição do festival.

Após a baderna, os refrãos de faixas como É Tudo Filha da P**a e Nada a Declarar ganharam outro significado, com palavrões berrados, todos direcionados injustamente ao vocalista doSoundgarden. Em determinado momento, Roger - ainda mais disposto a provocar "os gringos", deixou a guitarra de lado para simular um demorado strip-tease, seguido por mais uma provocação verbal: "Nós temos bastante tempo de palco, mesmo".

Ao fim de O Chiclete - cujo refrão "bum-bum-bundão" gerou coros de "Cornell, vai tomar no c*" - Roger não perdoou. Traduziu a frase e a direcionou mais uma vez ao ex-vocalista do Audioslave: "Asshole! Big asshole! Big, huge, asshole!".

Sob fortes aplausos, o quarteto encerrou a apresentação com o sucesso Nós Vamos Invadir Sua Praia. Depois do coro "mais um, mais um" da plateia, Roger e o baterista Bacalhau tentaram puxar Marilou, cortada no meio pela produção do evento.

Revoltado, Bacalhau emendou em um solo catársico de bateria, que terminou com as peças do instrumento espalhadas pelo palco, jogadas e chutadas pelo músico. O público adorou, e a banda também. Toda a equipe do Ultraje aplaudiu o público após o fim, em uma bonita - ainda que injusta - exaltação do rock nacional."


Nunca estive num show/concerto do grupo de rock Ultraje a Rigor, criado há cerca de 30 anos em São Paulo.

Gosto de várias músicas deles, e me lembro agora de "Eu me amo" e de "Terceiro", que tem uns versos engraçados:

Todo equipado, preparado na linha de partida
Daqui a pouco vai ser dada a saída
Todo mundo nervoso e eu não tó nem aí (O importante é competir!)
...

Se eu me esforço demais vou ficar cansado
Já dá pra enganar eu ficando suado
Se reclamarem eu boto a culpa no patrocinador


É meio cínica essa letra de música, quem sabe irônica, mas não passa de troça. O nome do grupo, de resto, também tem esse espírito de brincadeira e de ruptura com as convenções.

A irreverência de "Terceiro" não se aproxima do nível de cinismo de alguns filmes recentes de Woody Allen, por exemplo, isso para criar um ponto de comparação com um ícone, uma figura badalada que muitas vezes deu-nos mostras do seu humor e da sua inteligência. 

Estou a pensar em "Match point", de 2005, que me fez sair da sala de cinema atônita e desconfortável com a mudança de registro. O site do IMDB destaca a fala de uma das personagens do filme: 


- The man who said 'I'd rather be lucky than good' saw deeply into life" .


O argumento dela faz supor que é ruim ser boa pessoa. Mais vale ter sorte e, nessa levada, para estar com os amigos, mais vale ir ao cassino, ao bingo etc. Pelo menos não se rompe o padrão, é sortudo com sortudo, sem hipótese para as pessoas que aceitam a bondade sem aquele erguer de ombros, sem desdém.

Enfim, falei no Ultraje, fiz uma digressão até Woody Allen e quero dizer o quê?

Quero dizer que não imaginava o Roger, vocalista do grupo Ultraje a Rigor, a criar confusão a partir de um mal entendido com gente que fala outro idioma e que foi ao Brasil para participar num evento cultural. É assim mesmo, começa-se uma briga - que poderia ter tomado outras proporções -, ficam na memória as fotografias da tonteria (que eu não faço questão de publicar), as palavras confusas, o mal estar? Isso dá cá uns sinais de respeito pelo público incríveis! 

E como se não bastasse a trapalhada, a falta de jeito, um jornalista do UOL apresenta o incidente como um momento alto... ops!  

Não gosto muito da minha versão moralista, que já me rendeu inimizades. Não acredito nisto de julgar com dureza e de criar um campo, como se fosse um campo magnético, para me proteger da influência perniciosa de todas as pessoas más! Lado negro cada um tem o seu, inclusive eu. Não quero sublinhar esse lado do Roger.

Fato é que lado bom cada um tem o seu, também. Até que se prove o contrário. 


Mais valia saber que o Roger tocou descontraidamente e depois foi andar na chuva, ao invés de assistir à apresentação do artista que o sucedia no palco. Ele podia ou não podia simplesmente abdicar do espetáculo de quem o chateou? Era bem mais simples. E se alguém achava graça nisso, era ele. Continuávamos a lembrar dele como um cara gozador e pronto.

Reagir provocando, inflamar-se à toa, misturar o atropelo casual com desrespeito pelos artistas brasileiros e tal é investimento mal feito. Bobagem de quem perdeu a compostura. Tem direito, ok, mas que seja em casa dele...