Pondera, Pandora, como se isto fosse um diário

Pondera, Pandora, como se trabalhasse para rever-se, inteira, neste diário

Um ou dois aforismos
Não sei explicar o motivo, mas sempre ouvi com um misto de curiosidade e desconfiança as pessoas que gostam de dar opinão introduzida mais ou menos assim: "como diz o poeta" ou "e como disse o outro". Apesar disso, coleciono alguns aforismos, cujos autores eu prefiro indicar a deixar no ar.

Teixeira de Pascoaes, por exemplo, tinha uns fantásticos: "Amar é dar à luz o amor, personagem transcendente"; "Só os olhos das árvores vêem a esperança que passa"; "Existir não é pensar; é ser lembrado"; "A indiferença que cerca o homem demonstra a sua qualidade de estrangeiro"; "Vivemos como num estado de transmigração para a nossa fotografia".

Ele viveu em Amarante! Pena que não se respire o mesmo ar nos dias de hoje...

O aforismo dele de que eu mais gosto, no entanto, entre os que saíram publicados pela Assírio & Alvim, traz o seguinte:

"A seara não pertence a quem a semeia, pertence ao bicho que a rouba e come".

Sendo homem da terra, do chão, dos cheiros da natureza, muito embora culto, eu só posso concordar. Para um espírito muito suave - a não ser quando sente-se desafiado -, esse tipo de sabedoria condensada é sem dúvida ensinamento.


quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Um achado de fim de noite

Ironia é autocrítica superada, segundo um crítico literário chamado Enylton de Sá Rego.

Ontem, enquanto estudava para finalizar um artigo sobre Machado de Assis, li a afirmação e quis rir. Estarão caindo as fichas, devagar? Há alguns anos não me identificaria com esse tipo de processo, com essa travessia do excesso de exigência para o reconhecimento pacífico que se adivinha no riso.

Portanto, li a explicação acerca do significado da ironia em Machado de Assis, querendo rir e ri. 

E neste momento me vem à cabeça mais uma vez Paulo Leminski, o poeta curitibano, que é para dar outra cor ao texto, com mais uma dose de ironia, além da machadiana, além da minha.
Sou quase forçada a transcrever o pensamento!
Digo eu que há uma graça perversa e também curiosa entre aquilo que se deseja e aquilo que se obtém. 
Dizia, por exemplo, Leminski: 

"Que tudo se foda
disse ela
e se fudeu toda"



Pois é... Isso de desejar tem o que se lhe diga. Uma pessoa pede e pode ser atendida, pode desencadear, pode ter que levar com uma reação.

E eu fiquei satisfeita ontem à noite, considerei-me pronta para dormir, depois de um dia mais cansativo do que os outros, justamente porque percebi que estou caminhando. Eu tenho pedido para ter pernas pra andar.

Para quem não riu à toa, durante uns tempos largos, eu finalmente estou caminhando. 
Todo mundo erra!
Acusaram Machado de escrever com ares de superior, depois de subir de classe social no Rio de Janeiro de outra época.
Leminski acusava os próprios erros, os erros do homem que foi. Não havia nos poemas um acontecimento deplorado, mas muitas vezes uma necessidade de rir quando um certo eu lírico pulava de cama em cama, bebia muito, cometia o mesmo erro etc.
Por que eu, então, estaria isenta?!

Passei muito tempo a crer que se fosse a menina que pedia aos colegas de classe, lá na quente Piracicaba, que se calassem para ouvir a professora, estaria livre do julgamento. Não estava, no fundo nunca estive. Até os colegas, pequeninos como eu - deixei a cidade aos 11 -, descobriam em mim uma Betina mais malandra, mais bacana, mais rebelde do que sisuda.

Enfim, se não me libertei por inteiro, depois de anos habituada à autocensura, vou soltando as asas... Devagar, devagar, lembro das piadas, repito-as, procuro encaixá-las no dia, não vá ele engolir-me antes que esse desejo de sorrir passe.