Pondera, Pandora, como se isto fosse um diário

Pondera, Pandora, como se trabalhasse para rever-se, inteira, neste diário

Um ou dois aforismos
Não sei explicar o motivo, mas sempre ouvi com um misto de curiosidade e desconfiança as pessoas que gostam de dar opinão introduzida mais ou menos assim: "como diz o poeta" ou "e como disse o outro". Apesar disso, coleciono alguns aforismos, cujos autores eu prefiro indicar a deixar no ar.

Teixeira de Pascoaes, por exemplo, tinha uns fantásticos: "Amar é dar à luz o amor, personagem transcendente"; "Só os olhos das árvores vêem a esperança que passa"; "Existir não é pensar; é ser lembrado"; "A indiferença que cerca o homem demonstra a sua qualidade de estrangeiro"; "Vivemos como num estado de transmigração para a nossa fotografia".

Ele viveu em Amarante! Pena que não se respire o mesmo ar nos dias de hoje...

O aforismo dele de que eu mais gosto, no entanto, entre os que saíram publicados pela Assírio & Alvim, traz o seguinte:

"A seara não pertence a quem a semeia, pertence ao bicho que a rouba e come".

Sendo homem da terra, do chão, dos cheiros da natureza, muito embora culto, eu só posso concordar. Para um espírito muito suave - a não ser quando sente-se desafiado -, esse tipo de sabedoria condensada é sem dúvida ensinamento.


sábado, 10 de dezembro de 2011

O impulso de se dar internamente ao seu propósito

Hoje comecei o raciocínio para o texto escrito, procurando imagens. Não me pareceu que pensar nelas fosse suficiente.



Desde há uns tempos, faço isso com gosto antes de escrever, pesquiso pinturas - e algumas delas vêm parar no blog, se o tema é a mulher -, fotografias, desenhos. Quero me rever, por isso procuro o pano de fundo e a pose de outras mulheres. Não existe o fake, certo? Há aquilo que uma pessoa se atreve a fazer, por ela e pelos outros.

Hoje, à medida que experimentava pesquisar e ver os resultados, sentia vontade de avançar um pouquinho mais, porque não tinha chegado à imagem que traduzia o anseio deste dia.

Vi o mar, um rio a transbordar, ruas cheias com a água da chuva, a flor de lótus, que mora na água, acompanhando o nível da subida. Vi gotas que escorriam pelo vidro, mas não fiquei convencida de que eu precisava de um clichê... 

Também vi mulheres mergulhadas. Uma boiava com o rosto de fora, rodeada de flores muito pequenas, com as pétalas redondas e de cores apagadas.

Vi jardins de caminhos desenhados, controlados pela poda, talvez. 

Fui olhando. E me perguntando como eu ia compor antes de encontrar uma chave.

Parei num caminho bem seco, por incrível que pareça! O meu traçado na busca contava com a palavra "transbordar", mas fui me achar no seco... ironias, ok, as ironias.

E para que a tentativa? A que ela se prende no post de hoje? A basicamente dois pontos: à ideia de que se transbordar, já estou no meu melhor caminho; ao que não se pode mexer como que com as mãos, porque está dentro de nós.

Daí eu lembro o título deste post, "O impulso de se dar internamente ao seu propósito". Dei com isso num outro blog, em que até deixei um comentário curto, para cumprimentar a autora. Gostei da frase. Fiquei com a impressão de que tinha sido tirada de um texto do Osho ou outro autor semelhante.

Detestei Osho quando ouvi falar dele pela primeira vez. Não tinha atravessado uma linha e já me defendia, dizendo para mim que ele devia ser muito persuasivo, astuto, sei lá.

Era um conhecido meu, amigo de uma das minhas irmãs, que me falava no Osho. E eu tinha receio de ficar, como aquele conhecido, muito perturbada com a constatação de que eu não me conhecia. Um homem tão bonito, tão penetrante, tão talentoso não se conhecia!?

Foi depois de ter mudado de mala e cuia para Portugal que me aproximei de Osho. 

(Já pareço o jornalista-escritor que, numa entrevista à emissora de televisão em que trabalha, e na qual veiculam mal disfarçada propaganda dos livros de ficção escritos por ele, sai com qualquer coisa desse naipe: "- Eu não tinha intenção de abordar Jesus nesse meu último romance". Socorro!?). 

Osho estava longe, sim, estava. Mas fui à Fnac e ele estava lá. Veio para casa comigo, obediente. E depois espreitei e vi que uma das papelarias da cidade em que vivo tinha Osho na montra/vitrine, e comprei. Trouxe-o pela mão, mais uma vez, não fosse ele fugir de mim...

Fui lendo, fui gostando. 

Fui também prevenida quanto ao fato (?) de que ele já fora considerado louco, no sentido clínico mesmo. Teria além disso criado uma espécie de seita nos Estados Unidos etc. Tudo conhecimento de segunda mão, no meu caso. O que eu sei dele porque li, está nos tais livros dele. E não fui me certificar da veracidade das outras informações.

Bom, comprei uns quatro livros do Osho. Adorei ler sobre intuição, por exemplo. Recomendo a leitura.

E li sobre o amor. Ele falava mais em liberdade, em jogos que não devemos jogar, nem mesmo se acharmos que jogamos em nome da conservação de um relacionamento (palavra que, na tradução pelo menos, ele condena). Pensei bastante no que ele explicava. E no tom de provocação que ele usa ou que a tradução empresta ao discurso dele.

Hoje, finalmente, enquanto buscava o excesso na forma de água a transbordar, veio o Osho na corrente, na maré alta.

Ou veio a lembrança dos textos dele, melhor dizendo.

O que quer dizer "O impulso de se dar internamente ao seu propósito"? Ainda considero uma frase hermética. Não é a frase, não é ela. É o movimento que ela sugere, ou a mansidão que ela sugere, o processo de se deixar capturar pela mansidão, a verdadeira mansidão, até que nossos projetos mais ambiciosos sejam concretizados, de dentro para fora.

Nunca pensei nisso, confesso. Os passos para os quais tive força ou fui impelida para eles por uma força realmente minha, necessária, acessa, ou eram passos pequenos... Parece-me, sem falsa modéstia, que mais serve a primeira explicação.

Mas e o "impulso", como entendê-lo?

É preciso preparar um pulo, antes de aguardar a boa vibração dar seus frutos e nos conduzir a realidades que merecemos, se nos comportarmos como merecedores?

É o tal "pulo do gato"? Senti-me ao mesmo tempo ridiculamente fora de moda e curiosamente divertida na primeira vez em que usei essa expressão em sala de aula, para dar um exemplo aos meus saudosos alunos da FB... não me lembro se riram, eu repeti a expressão faz poucos dias e voltei a rir sozinha; eu gosto do pulo do gato...

É um mergulho?

É a firme manutenção de um ritmo de bons pensamentos, de um ritmo de trabalho, de investimento nosso nos nossos melhores sonhos?

É não sabotar, quando tudo parece ir bem?

É não jogar contra o próprio desejo?

Seja como for, não o descubro agora, só posso sorrir como se aludisse ao pulo do gato, fazer a digestão (até porque estou em casa com meu menino a dormir e papei sozinha grandes fatias de um brigadeirão), me apossar do que já está digerido e... passar a bola a vocês.

Quem quiser ler comigo, seja Osho, seja o conteúdo de outros blogs, seja a salada que eu preparo no meu, post a post, sinta-se à vontade.

Deixo mais uma imagem, porque está marcada em mim, literalmente: