Veio de um lado. Veio do outro.
Ao longo da última semana de 2011, ouvi mais de uma vez a explicação que, aqui e agora, repasso.
Primeiro, foi uma amiga, muito amiga, que tem fé suficiente para ela e para mim.
Dizia que o autor de O Senhor dos Anéis, Tolkien, tem um filho e fez para ele e para a nora um discurso muito inspirado, por ocasião do casamento deles dois.
Resumidamente, o que ele pretendia era salientar que casamentos são perfeitos, na imperfeição do ser humano. E que mulheres e homens têm papéis, às vezes bem menos românticos do que supomos.
Segundo ele (ou o que alguns supõem ser o discurso dele), durante um casamento o que importa é construir. É aceitar o outro, com alegria, como se o outro fosse um náufrago que cabe apoiar. Porque nós não somos movidos por amores impossíveis, somos sobreviventes, estamos desejosos. Há de vingar em nós um bem executado projeto, um projeto de compromisso, de doação, de troca.
Para essa construção, o que conta é alegria.
Amor pronto, numa forma intocável, advém de outra fonte, é muito mais o divino em nossa vida do que os encontros que vamos tendo.
Era um programa da televisão aberta portuguesa, acerca de religião e de religiosidade, chamado "A Fé dos Homens". Não entendo bem a grade de programação da TV portuguesa. Tem dia de desenho animado, que aqui dizem "bonecos", tem dia em que, no horário dos bonecos, simplesmente começa outra coisa, sem aviso prévio... Enfim, esta é outra conversa que me interessa, mas que não vou misturar agora.
O convidado a que me refiro, o do programa religioso, dizia que muitas vezes ao vermos um casal, pensamos num erro de casting. Mas não se trata propriamente disso, de um erro. Se tivermos alegria para abastecer a casa, continuadamente, aquilo que parecia um equívoco torna-se a história pessoal de que fomos capazes, conscientes das nossas limitações e da alegria que devemos ter e oferecer.
De novo a alegria, de novo a sabedoria de não pretender saber mais do que é possível num dado momento e, assim, viver com aquela doce responsabilidade, a de dar um contorno bonito a um papel que pensamos não ter escolhido com acerto.
A mim atormentava a ideia de não estar no enredo certo. Tinha um sonho, angustiante, de que um dia saberia qual era o resultado final, antes de o resultado chegar. Como se visse um filme, o filme da minha vida. Eu assistia, corrigindo, tal qual realizadora/cineasta. E isso para não ter de lamentar (como se fosse obrigatório lamentar, acabar mal, acabar pior do que em outras versões da minha vida!), no final, as escolhas erradas...
Como diz o texto de Tolkien para o casamento do filho, mesmo que no fim pareça que não escolhemos o melhor parceiro possível, ainda assim teremos agido bem, se tivermos agido com alegria e atentos aos compromissos.
O outro não é parceiro ideal em qualquer altura da nossa vida e a vida não é filme que passa dentro de nós, ao apertarmos um botão. Viver ou sobreviver ultrapassa esses sonhos e exige de nós mais dedicação e mais bom humor do que parece.
Sendo esse o pedido, alegria e esforço continuado - e lembrando que há os imponderáveis - custa mesmo tanto ir em frente?!