Pondera, Pandora, como se isto fosse um diário

Pondera, Pandora, como se trabalhasse para rever-se, inteira, neste diário

Um ou dois aforismos
Não sei explicar o motivo, mas sempre ouvi com um misto de curiosidade e desconfiança as pessoas que gostam de dar opinão introduzida mais ou menos assim: "como diz o poeta" ou "e como disse o outro". Apesar disso, coleciono alguns aforismos, cujos autores eu prefiro indicar a deixar no ar.

Teixeira de Pascoaes, por exemplo, tinha uns fantásticos: "Amar é dar à luz o amor, personagem transcendente"; "Só os olhos das árvores vêem a esperança que passa"; "Existir não é pensar; é ser lembrado"; "A indiferença que cerca o homem demonstra a sua qualidade de estrangeiro"; "Vivemos como num estado de transmigração para a nossa fotografia".

Ele viveu em Amarante! Pena que não se respire o mesmo ar nos dias de hoje...

O aforismo dele de que eu mais gosto, no entanto, entre os que saíram publicados pela Assírio & Alvim, traz o seguinte:

"A seara não pertence a quem a semeia, pertence ao bicho que a rouba e come".

Sendo homem da terra, do chão, dos cheiros da natureza, muito embora culto, eu só posso concordar. Para um espírito muito suave - a não ser quando sente-se desafiado -, esse tipo de sabedoria condensada é sem dúvida ensinamento.


sábado, 8 de dezembro de 2012

As vantagens de ser invisível


“We accept the love we think we deserve” é uma das frases do filme “The perks of being a wallflower”, repetida de professor para aluno e deste para uma amiga. No segundo caso, a frase serviu como resposta à pergunta “Why do I and everyone I love pick people who treat us like we're nothing?”.

Há montes de artigos a respeito do filme na internet. Não quis ler muitos, para manter-me mais livre no momento de escrever.

Quis saber, isso sim, em quais situações a palavra “wallflower” é utilizada. Descobri que é aplicada num contexto fácil de visualizar, presente na trama do filme: quem pode ser chamado “wallflower” isola-se durante as festas, naqueles cantos onde não se dança; são as pessoas que vão a uma festa sozinhas, por exemplo, e não se soltam a dançar ou puxar assunto de forma a conhecer outras pessoas.

Fui wallflower? Não me refugiava nos cantos do salão. Eu participava. Sempre dancei, mesmo sem a exuberância das personagens do filme, mostrada numa cena que tem esta música:



Só que, ao mesmo tempo em que participava, sentia-me transparente, como o protagonista se sentia antes de conhecer um determinado grupo de amigos. Às vezes ainda me sinto assim, como acontece a muita gente boa que está a precisar de espelho para se enxergar e não se retrair.

Decididamente não fui como o protagonista do filme, quando se trata de generosidade ao entender e acolher, sem julgar. Muitas vezes eu passei sem entender. A assimilação ou era lenta ou está muito mais vincada em mim, hoje. É igualmente verdade que a capacidade de assimilar existiu em força e ficou para trás, como por exemplo numa situação dos meus 11 anos, que uma conversa com um amigo trouxe à tona duas décadas depois, para mostrar como eu lhe tinha dado ânimo logo que nos conhecemos, porque o enxerguei.

Enfim, o que eu vi no cinema tem um pouco dos adolescentes que eu conheci e da adolescente que fui. Tem, ainda, algo da adulta em que me tornei; durante a fase adulta é possível experimentar emoções tão perturbadoras (ia dizer transformadoras, mas talvez seja exagero, pois os adultos podem estar muito cansados para mudanças de dentro para fora) quanto as das personagens do filme.

Mas vamos povoar de verdade a cena do filme, dando nome aos bois, porque se eu falar da minha experiência de adolescente, pode não soar tão credível quanto eu desejo.

No filme “The perks of being a wallflower” existe o Charlie, existe a Sam, existe o Patrick, existe a Mary Elizabeth. E mais uma constelação de amigos, parentes e opositores.

No fundo todos têm a impressão de que são uns desajustados, “misfit toys”, como Sam os define, mas se divertem. A própria Sam era embebedada nas festas, pelos rapazes, e depois passou a escolher namorados sempre infiéis. Patrick mantém segredo sobre um namorado que não quer assumir a homossexualidade, embora diga que o ama. Mary Elizabeth faz de conta que está mais zangada do que realmente está, para que não ousem criticá-la.

Quem entra para o grupo mais tarde é Charlie. Não tem amigos, enfrentou uma estafa por causa de traumas e teme os anos de high school, conforme vamos sabendo à medida que escreve para desabafar.

Mas que mudança acontece, então, no tipo de satisfação que ele consegue ter! Começa a viver situações e mais situações com os amigos novos, os que o acolhem, e a tempestade não desaparece, antes vira um chiste. Por exemplo: Patrick sabe que Charlie está em recuperação, sob cuidados médicos, e ao invés de orientar a conversa para os alertas, as chamadas de atenção, faz rir ao dizer que já está prevista outra crise para amigo, dentro de um certo tempo, da mesma forma que os outros podem contar com uma viagem ou o início de um curso.

Charlie faz progressos inclusive quando se aproxima da redescoberta de um dia muito duro na sua infância.  

Mais do que pensar, mais do que sentir, Charlie adquire muito jeito para dar, para receber, para se atirar - as cenas de “The Rocky Horror Picture Show” em que ele atua vestido de mulher, demonstram isso -, até ver o momento e, em cada momento, o infinito.

Se a amizade redime? Com toda a certeza, na ficção e na vida privada dos que têm a sorte dessa vivência e de escolher amores bonitos.