Pondera, Pandora, como se isto fosse um diário

Pondera, Pandora, como se trabalhasse para rever-se, inteira, neste diário

Um ou dois aforismos
Não sei explicar o motivo, mas sempre ouvi com um misto de curiosidade e desconfiança as pessoas que gostam de dar opinão introduzida mais ou menos assim: "como diz o poeta" ou "e como disse o outro". Apesar disso, coleciono alguns aforismos, cujos autores eu prefiro indicar a deixar no ar.

Teixeira de Pascoaes, por exemplo, tinha uns fantásticos: "Amar é dar à luz o amor, personagem transcendente"; "Só os olhos das árvores vêem a esperança que passa"; "Existir não é pensar; é ser lembrado"; "A indiferença que cerca o homem demonstra a sua qualidade de estrangeiro"; "Vivemos como num estado de transmigração para a nossa fotografia".

Ele viveu em Amarante! Pena que não se respire o mesmo ar nos dias de hoje...

O aforismo dele de que eu mais gosto, no entanto, entre os que saíram publicados pela Assírio & Alvim, traz o seguinte:

"A seara não pertence a quem a semeia, pertence ao bicho que a rouba e come".

Sendo homem da terra, do chão, dos cheiros da natureza, muito embora culto, eu só posso concordar. Para um espírito muito suave - a não ser quando sente-se desafiado -, esse tipo de sabedoria condensada é sem dúvida ensinamento.


domingo, 10 de março de 2013

Depois de um perspicaz missionário


Como perceber a ligação das pessoas com o meio em que vivem?
Arrisco dizer que o magnetismo de um meio atravessa os pensamentos e os sentimentos das pessoas, embora seja difícil, para muitos de nós, dar expressão falada ou escrita a esse apelo e até mesmo captá-lo no ar.
Amparada por essa ideia de que está em cada um, sempre, mais camada menos camada, uma ligação com o meio em que vive e no qual circula, insisto na reflexão, à qual acrescento: será que as pessoas de hoje pensam nas pessoas que, séculos atrás, estiveram no espaço público que elas ocupam?
Será que as pessoas mais antigas, que habitaram ou percorreram um espaço qualquer, assumem um significado aos olhos dos habitantes e dos viajantes presentes neste espaço?
Trocando em miúdos ainda mais, pergunto se as pessoas hoje se inquietam com o facto de que, afinal, outras pessoas ocuparam e transformaram o espaço que foi embrião do espaço atual.
De vez em quando, a passagem de uma pessoa por um determinado espaço entra na ordem do dia, e então temos uma resposta para as perguntas transcritas.
A literatura tem incorporado essa ligação do homem com o meio; alguns escritores deixaram textos inspiradores, fruto de um grande poder de observação e de muita intimidade com as palavras. Assim procedeu João Guimarães Rosa, por exemplo, ao rematar:

“A vida inventa! A gente principia as coisas, no não saber por que, e desde aí perde o poder de continuação – porque a vida é mutirão de todos, por todos remexida e temperada”.[1]

Bastará atender a um chamado, então, para dar chance à vida, vida que é de todos, apesar de assumir contornos personalizados! Assim já nos ensinou esse bom viajante, homem de apontamentos sem conta, tomados no decorrer das viagens pelo Brasil. Estivera fora do país de 1938 a 1942 e depois de 1942 a 1945, com mais alguns períodos entrecortados, até 1951, sempre na condição de diplomata, na Alemanha ou na Colômbia; uma vez no Brasil (mais especificamente nos estados de Minas Gerais, Mato Grosso e Bahia), retomava, viajando e escrevendo pequenas notas, o jeito de estar com as pessoas simples. As notas manuscritas, postas em diários, estão hoje bem guardadas[2].
Os meios de comunicação de massa igualmente podem funcionar como motores da emergência dessa relação entre o homem e o meio. E muito embora a abordagem que os jornalistas costumam escolher resvale para o superficial e também para o óbvio, eles vão em busca de ícones para explicar como um meio atingiu determinado estado.
Se uma grande cidade como São Paulo, Brasília ou Tóquio é o assunto em pauta, por exemplo, é possível que os jornalistas se lembrem de mencionar nomes de arquitetos: Lina Bo Bardi, autora do edifício do Museu de Arte de São Paulo; Oscar Niemeyer, que projectou a Catedral de Brasília; Ruy Ohtake, que fez o prédio da Embaixada do Brasil em Tóquio, e outros.
O que essas opções acrescentam, se é inequívoca a ligação entre os arquitetos, os urbanistas, os paisagistas e as diversas formas de vida com que as cidades nos enchem os olhos? Fica resguardado o conhecimento do trabalho desses profissionais, sem dúvida, o que não é pouco dada a nossa ignorância, o nosso analfabetismo relativamente a tantos assuntos, entre eles a arquitetura, o urbanismo, o paisagismo.
Um caso que ilustra bem a aproximação entre a percepção do meio e a modelagem do meio vê-se no seguinte texto jornalístico: “Essas [exemplos de uma arquitetura brasileira que, desde os anos 1940, passou a ser valorizada no mundo todo] construções que mudaram o espaço brasileiro, quando passaram a se tornar locais de convivência, também transformaram a maneira com que cada pessoa utilizava sua cidade, seu lazer, seu viver”[3].
Há situações pontuais, como mostra o texto acima; problema é os jornalistas não fazerem uma nova leitura da obra deixada pelos ícones. Aquele diálogo que um ícone estabeleceu entre o seu mundo interior e o mundo exterior, diálogo capaz de documentar o lugar, a época, a consciência singular etc, visto assim, sem novidades, é desperdiçado.
 Enfim, sendo uma forma de assimilar o mundo, a curiosidade sobre a ocupação do espaço público me parece interessante, a despeito do parco contributo dos meios de comunicação de massa e da duvidosa insistência na popularidade, que por vezes é a marca, também, de algumas criações artísticas[4].
Uma caminhada pelo largo do Mosteiro de São Gonçalo, em Amarante, pode ilustrar de outro modo o que quero dizer e defender. Literatura e imprensa ficam de lado, por ora.
Desde menina penso que caminhar, aguçando nossos sentidos, aguça também nossa curiosidade e nossa determinação para sonhar. Foi caminhando por Amarante, que me perguntei de que maneira pessoas de outras épocas já moldaram o espaço público amarantino, em tempos remotos.
Mas atenção, pois não se trata de um exercício retórico, de um pretexto para louvar a cidade. Louvar não tem mal em si, eu tenho a certeza, a não ser pelo efeito que produz, quando antecede outras abordagens “menos famosas”. Louvar Amarante numa primeira aproximação esvaziaria um pouco as reflexões sobre Amarante. Poria um fim antes do fim, se me permitem o jogo de palavras.
Estrangeira residente em Portugal há quase sete anos, custei a pôr os meus sentidos a serviço da observação das pessoas que me precederam em Amarante.
As pedras do Mosteiro de São Gonçalo, presença maciça, parda e cinzenta, mas principalmente os contornos do edifício do Mosteiro, projectados no chão do largo por linhas finas, pouco falavam comigo até há mais ou menos três anos.
A visão nunca foi o meu ponto forte, feliz ou infelizmente. Mesmo assim, lembro que, caminhando muito nos últimos anos pelas ruas centrais da cidade, pensei mais de uma vez na influência de mulheres e de homens de outras épocas. Eles sentiram Amarante e exerceram aqui uma pressão, penso eu.
De forma muito abstracta e fugidia, nas minhas caminhadas em direção àquele que era então meu local de trabalho, comecei a associar a passagem dessas pessoas ao que a cidade de Amarante é na atualidade.
Brincar com a hipótese de que cada lugar tem sua alma, permeável à influência dos habitantes e dos viajantes soou, mais recentemente ainda, como boa ideia para um texto partilhado com amarantinos, portugueses de outras terras e outros brasileiros perdidos por cá. Sempre julguei que cada lugar tem a sua atmosfera, como todas as pessoas devem entender, mas desconfiei de que apenas a referência a uma atmosfera não chegaria para dar a minha versão do que um lugar é.
Pois para mim e para outros, como Elias Canetti, prémio Nobel de Literatura de 1981 e autor da frase “uma cidade pode amar uma pessoa”, um lugar é um resultado, dá uma resposta – ou poderia dar – a cada existência e a cada pedido de quem caminha por ele.
A palavra “responder”, a propósito, está ligada na sua raiz à palavra “responsabilidade”; a cidade nos dá uma resposta, atende pelo nosso bem-estar, na mesma medida em que somos responsáveis por ela, em atos e em projetos nascidos do pensamento, das sensações e do sentimento. Creio que a nossa responsabilidade maior se expresse mesmo numa espécie de meditação, de reflexão sobre o espaço público, na forma que somos capazes de dar aos nossos desejos.
Voltando ao caminho que este texto já percorreu, das idas ao centro da cidade de Amarante à contribuição dos escritores, acrescento que houve um dia em que declarei para mim mesma ter chegado o momento em que era preciso um foco concreto, para além da minha apreensão da alma amarantina.
A palavra das pessoas comuns, num passado não muito distante, não era inventariada, o que constituía outro desafio na formulação do meu palpite sobre a influência humana na ininterrupta constituição do espaço público.
Eis que, de repente, cruzei virtualmente com uma pessoa ilustre, apresentada aos curiosos nas suas próprias palavras e nas de uma investigadora portuguesa de renome, a Profª. Doutora Isabel Morujão.
A pessoa que vou relembrar por meio deste texto esteve na cidade de Amarante há muitos e muitos anos, espalhando por aqui os benefícios da sua aguda capacidade de observação.
Tinha, sem querer, encontrado o mote para expressar a minha curiosidade sobre os processos de transformação da cidade.
A sugestão deste texto, portanto, prendia-se finalmente a uma tentativa de sentir e pensar Amarante a partir do conhecimento de uma personalidade portuguesa que esteve aqui há séculos.
Frei António das Chagas era o homem certo para a minha reflexão.

Nascido em Vidigueira, no Alentejo, estudou em Évora, em seguida tornou-se militar em Moura (estava lá para escapar da Justiça, já que matara um homem num duelo), habituou-se a escrever versos picantes, foi descrito pelos biógrafos como um amante atrevido (talvez um freirático[5], mesmo), esteve no Brasil como soldado e lá leu uma obra que o teria abalado, mas que ainda não era o derradeiro fator de mudança. De volta a Portugal, teve um pedido de ingresso na Ordem de São Francisco negado, indo outra vez para as armas e para a pena. Por tudo isso, a conversão soava como um divisor de águas na vida dele, era tal e qual o acolhimento de um chamado que produzia seu eco, tantas tinham sido as ocasiões de burla e de incitação ao erro.
Aos 31 anos, abandonada a vivência mundana, enfim, esse homem combativo aceitaria numerosas tarefas relacionadas à direção espiritual dos seus pares; encarregar-se-ia de transmitir ideias muito distintas das que o tinham movido: pregava o louvor a Deus, a caridade e a paciência, enquanto lia e respondia cartas, na medida em que as andanças pelo país, em missão para disseminar valores cristãos, permitiam.
Lidas, tais cartas que aconselhavam de forma pouco usual naquela época, quer pela informalidade, quer pelas referências a um mundo que não é o espiritual, ajudaram-me a juntar as peças da minha estada em Amarante, considerando que Frei António das Chagas conheceu um ponto de viragem e também eu cheguei ao meu, a viver nessa cidade.
Ele, em outros tempos, visitou muitos lugares em Portugal. Chegou inclusive a fundar um convento, no ano de 1682. Eu, em Amarante, conheci pessoas para as quais o trabalho voluntário faz sentido. Montamos duplas para que nosso ambiente de trabalho voluntário ficasse limpo; estivemos presentes em feiras locais; fomos às escolas públicas e também à escola profissional. Algumas dessas pessoas ainda são referências na minha vida pessoal, com elas posso conversar à vontade sobre outros encontros, outras andanças.
No geral, porém, minha experiência evidentemente limitada não traz muita notícia de gestos capazes de conduzir a atos concretos de aproximação. Talvez eu mesma, como cidadã (vizinha, condutora, transeunte) tenha sido tão mesquinha quanto aquilo de que senti falta nos outros.
Posso ter falado pouco, sorrido pouco, ter interpretado mal a aparência sisuda ao passo que, no interior das pessoas, havia mais e melhor.
De toda forma, minha permanência em Amarante resultou em uma troca de afeto muito mais pequena do que a minha necessidade, num entorno de poucas ofertas de lazer, de aperfeiçoamento cultural, de trabalho.
Muito dessa troca se deu entre “a brasileira” e “o português”.
Ocupei o lugar que me destinavam, bem como eu, aos portugueses, destinei de antemão um lugar pequenino. Projeção contra projeção, preconceito contra preconceito.
Descontados os modismos desta nossa fragmentada e áspera época[6], na qual um “caramelo” ou é um doce ou um qualquer indivíduo castiço (um “cromo”, na linguagem popular portuguesa), por que não ser e buscar um caramelo, à maneira de Frei António das Chagas?
Pois para essa personagem histórica, as pessoas tinham de ser caramelos, a fim de que Deus gostasse delas, deviam desfazer-se, isto é, pôr-se de joelhos, para assim terem a experiência da renúncia, da confiança, da entrega.
Em vez do estado de coisas acima referido (a brasileira diante do português, projeção contra projeção, preconceito contra preconceito), nas palavras dele estava, afinal, o conselho para a construção de uma realidade em que saíssemos todos a ganhar: se eu me reconheço como criatura amada por Deus, estarei a reverenciá-lo ao amar. Em outras palavras: amo o que sou e o lugar de onde vim, amo o estrangeiro e o lugar onde ele nasceu; mesmo quando pareço humilhado, posso amar e aprender, posso amar e me redimir pela época em que não sabia que amar é indispensável.
A temática é barroca, sem dúvida, e nisso o autor de Cartas Espirituais estava em consonância com a sua época. A profundidade com que recriava as vivências mundanas e as seculares dava conta da divisão do homem barroco, era o testemunho desse homem pressionado para se redimir e pressionado, igualmente, para observar atentamente o mundo com todos os sentidos, de modo a sobreviver à crise política, à crise espiritual, à demanda científica etc. Argumentando, o homem barroco falava aos outros e a si próprio, lançava-se para o mundo e digeria esse mesmo mundo. Erguia uma espécie de altar para si, o que curiosamente acarretava em menos exposição.
Para observar e para argumentar, Frei António das Chagas esteve em Amarante. Pregou por cá. A lição de humildade, de que devemos encarar a dor para valorizar outros estados d’alma, estranhamente fez casa em mim. Parece que, hoje, se andássemos pela cidade de câmera fotográfica à mão, pouco veríamos de ações que revelam o Deus em mim, em você, em cada um de nós.
Terei percebido essa postura sugerida pelo franciscano ilustre, a postura que ele outrora reclamou, quando ouvi dizer com desdém: - “A brasileira que vive no rés-do-chão”?
Não, certamente que não, porque para além da brasileira, sabia eu, estava uma moradora capaz de varrer a entrada do prédio em que mora, quando a sujidade se acumulou e a senhora da limpeza não veio trabalhar.
Terei percebido a tal postura quando eu própria cogitei, em silencioso receio: - “Vêm até uma loja de artesanato comprar presépios tão ternos e, ao mesmo tempo, não sabem sequer tratar a vendedora com delicadeza?”
Não, certamente que o meu próprio raciocínio não era um exemplo de entrega, já que uma das senhoras que entrava naquela loja, senhora já em idade avançada, afinal aproveitava todas as caminhadas matinais pelo centro da cidade para admirar presépios e trocar dois dedos de conversa, com direito a partilhar pensamentos doces, inteligentes e tão humanos... até nos tornarmos, de verdade, amigas.
O projeto de uma família da terra, reflexo da família do céu, tocou-me em Amarante, foi nessa cidade que experimentei um reforço importante para a minha noção de família: o que tanto desejei, meus anseios mais antigos e viscerais de comunhão, ganharam força numa terra que bendiz a família, pela palavra, sem promover a ideia de uma grande família, em cujos membros cada um pode observar, comovido, a adoração pelo mistério que nos une e congrega.
Como estrangeira nesta cidade, estive sempre de fora da conceção de família dominante e essa falta fez-me ruminar com força um ideal de respeito, de tolerância, de generosidade, um ideal que está nas cartas de Frei António das Chagas.
Às voltas com a possibilidade de viver em outra cidade (portuguesa? Brasleira?), agradeço aos professores que tive em Amarante: aos amistosos, aos desinteressados e ao pregador impressionante e humano cuja mensagem ainda se faz ouvir, pois: “Grande felicidade é o conhecimento das nossas misérias” (Cartas Espirituais, p.217).



[1] ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1986. p. 406.
[2] Os arquivos do autor podem chegar a 20.000 documentos; desses, mais de 10.000 foram adquiridos pelo Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo e continua uma disputa dura entre herdeiros, editores e investigadores, para impedir ou ao contrário aceder ao restante do material.
[3] http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,arquitetura-brasileira-que-ganhou-o-mundo,708708,0.htm, consultado no dia 05.07.2012.
[4] As músicas ajudam a cristalizar imagens, à medida que aprendemos uma determinada melodia, suas primeiras palavras, um refrão etc. Na década de 60 do séc. XX, o compositor brasileiro Antônio Carlos Jobim, o Tom Jobim, projectou a figura de uma “Garota de Ipanema” (“Olha que coisa mais linda/ Mais cheia de graça/ É ela a menina que vem e que passa/ Seu doce balanço a caminho do mar”); dizem, aliás, que é desde há muito uma das canções mais tocadas em todo o mundo, atrás de “New York, Nem York”. Sabemos da representatividade da garota de Ipanema, tanto que em 2005 ela deu azo a um pedido de desculpas da parte do jornal The New York Times, depois que um jornalista norte-americano escreveu num texto que as brasileiras estavam, afinal, muito fora de forma – as mulheres fotografadas para a peça jornalística eram todas de outra nacionalidade e estavam simplesmente a aproveitar um dia de sol na praia, na cidade do Rio de Janeiro. Duas décadas depois de Tom Jobim, Caetano Veloso passou do ícone feminino para o masculino, ao criar “Menino do Rio” (“Menino do Rio/ Calor que provoca arrepio / Dragão tatuado no braço/ Calção, corpo aberto no espaço/ Coração de eterno flerte/ Adoro ver-te”). Se o surfista descrito na música era uma espécie de modelo de vida saudável, creio que hoje isso pouco importa. Pomos de lado os artistas, pomos de lado a sugestão de um estilo de vida recomendável para os jovens, esquecemos a beleza das praias, lugares muito apropriados para libertar do imaginário um sem número de sonhos e de fantasmas. O que nos resta? Resta um ideal de beleza, associado à garantia de popularidade. A beleza que passeia para ser vista, sem conteúdo, sem consequência, sem brisa, sem bruma, sem maresia. Da cidade do Rio de Janeiro se depreende, então, uma promessa de visibilidade para o corpo e outra de corpos a desfilar para o regozijo dos espectadores - pelo menos se as duas criações mencionadas forem nossa referência. Nesses casos, meio e ocupantes não caminharam para uma troca em que entram pensamento e sentimento. Foram até o nível das sensações. A marca destas músicas pode até ser perene, mas enriquece muito pouco a ligação entre homem e meio, entendendo-se este como mais do que um palco ou um pano de fundo para a beleza transitória.
[5] Um freirático era um homem que se envolvia em romances com freiras; visitava regularmente um convento, presenteava, tinha a reclusa como uma preferida, uma amante.
[6] Alberto Manguel, escritor argentino, identifica a nossa época como “Idade da Vingança”.*-/