Pondera, Pandora, como se isto fosse um diário

Pondera, Pandora, como se trabalhasse para rever-se, inteira, neste diário

Um ou dois aforismos
Não sei explicar o motivo, mas sempre ouvi com um misto de curiosidade e desconfiança as pessoas que gostam de dar opinão introduzida mais ou menos assim: "como diz o poeta" ou "e como disse o outro". Apesar disso, coleciono alguns aforismos, cujos autores eu prefiro indicar a deixar no ar.

Teixeira de Pascoaes, por exemplo, tinha uns fantásticos: "Amar é dar à luz o amor, personagem transcendente"; "Só os olhos das árvores vêem a esperança que passa"; "Existir não é pensar; é ser lembrado"; "A indiferença que cerca o homem demonstra a sua qualidade de estrangeiro"; "Vivemos como num estado de transmigração para a nossa fotografia".

Ele viveu em Amarante! Pena que não se respire o mesmo ar nos dias de hoje...

O aforismo dele de que eu mais gosto, no entanto, entre os que saíram publicados pela Assírio & Alvim, traz o seguinte:

"A seara não pertence a quem a semeia, pertence ao bicho que a rouba e come".

Sendo homem da terra, do chão, dos cheiros da natureza, muito embora culto, eu só posso concordar. Para um espírito muito suave - a não ser quando sente-se desafiado -, esse tipo de sabedoria condensada é sem dúvida ensinamento.


quinta-feira, 25 de abril de 2013

E será que existe acordo?


Em idade escolar, e principalmente numa cultura de respeito às regras, “dar erros”, conforme diz-se em Portugal, causa algum constrangimento.
Mas, se é do Acordo Ortográfico que se trata, esse respeito às regras pode significar, ao mesmo tempo, conforto e desconforto.
Por um lado, alunos em tenra idade aprendem que é preciso aceitar regras. Os que hoje cursam a terceira série do ensino obrigatório, por exemplo, fizeram o aprendizado de português, até este momento, atendendo às regras do Acordo. Pode ser que tenham ouvido falar em polêmica, mas desconhecem as regras anteriores ao Acordo e escrevem como têm aprendido.
Por outro lado, alunos mais velhos e seus professores fazem coro para dizer que as regras do Acordo estão a ser impostas. Como alegam professores na pequena cidade de Amarante, em Gondomar, mais próxima do Porto, ou ainda em Guimarães, a simples imposição deveria ter sido evitada, quer ela seja fruto da presunção da elite, quer venha da ação mal planejada dos políticos.
Alunos do ensino superior português, no contexto das universidades particulares, mostram uma postura um pouco diferente. A orientação que lhes é dada aponta para o respeito ao Acordo porém, na prática, seus professores parecem preferir que eles continuem a escrever como faziam antes da mudança, na medida em que toleram trabalhos académicos escritos com as antigas grafias.
De modo geral, no entanto, professores e alunos portugueses têm passado a escrever em consonância com as prescrições do mais recente acordo da língua portuguesa, mesmo admitindo que o processo de adaptação faria mais sentido, caso os fundamentos das mudanças tivessem sido expostos com clareza à população.
No que toca à adaptação dos próprios professores, não é difícil perceber a incoerência com que são confrontados pois, em muitos agrupamentos escolares, as sessões de esclarecimento foram dirigidas exclusivamente aos professores de língua materna, deixando de fora os responsáveis pelo ensino de todas as outras disciplinas escolares.
Dos manuais escolares, os quais devem acompanhar os alunos por pelo menos quatro anos consecutivos, não se notam tantas queixas, porque já estão preparados conforme o Acordo.
Nos livros editados e vendidos no país, o usual é que a ficha técnica contenha a informação acerca do posicionamento quanto ao Acordo Ortográfico, e este tem sido respeitado, em geral; a recusa em publicar conforme as novas regras, que é exceção, acontece ou por imperativo do autor ou, mais raramente, do tradutor.
Durante o ano de 2012, nas grandes livrarias, a venda de pequenas apostilas com a indicação das principais mudanças que o Acordo trouxe à norma linguística tem sido reconhecida, pelos vendedores, como mais expressiva do que a venda de materiais mais densos sobre o assunto. Lúcia Vaz Pedro, autora de uma dessas apostilas, também assina uma coluna semanal no Jornal de Notícias, intitulada “Português atual” – já com a nova grafia -, o que evidencia que Portugal, mesmo sem investir em grandes campanhas de divulgação do Acordo, tem resguardado algum canal de exposição e debate do tema. A autora recebe numerosas mensagens de leitores a reclamar do Acordo, ainda que os argumentos apresentados resvalem para o que em terminologia técnica se pode chamar hipercorreção, isto é, a busca de um uso mais correto do que a norma.
Para além do JN, outros jornais de circulação nacional também aderiram. Alguns o fizeram em 2009, outros em 201o. Assim procederam igualmente as emissoras de televisão (a RTP, Rádio e Televisão de Portugal, aderiu em 2011) e a maioria dos partidos políticos, ao elaborarem material de interesse público.
Respeito, conforto, desconforto, um pouco de relaxamento e manifestações mais político-ideológicas do que razoáveis, enfim, compõem um panorama que fica mais claro quando lembramos como estão aturdidos os cidadãos portugueses. O crescente desemprego e a falta de identificação de muitos portugueses com a autoridade indicam que enquanto a crise financeira na Europa falar mais alto, será apenas lamentável que o debate ligado à língua e ao Acordo Ortográfico não chegue a preocupar. Existem preocupações que dispensam alerta, eles sentem em casa, na rua, na própria pele e o Acordo, por ora, mantém-se sem a aprovação consciente dos falantes.


Betina Ruiz