Encontrei outra
disposição e outros sentimentos. Obrigada.
Com energia oscilante,
você sabe, tenho procurado um mundo.
Talvez eu seja
menos prudente, meu amigo. Minha energia tem-me levado a procurar quem tem
calma para perder-se e encontrar-se, neste mundo, até o fim.
Não ria de
mim, por favor, se não me abandonou até agora não ria! Os amorosos andam por aí,
eu só preciso descobri-los.
Mas ainda ontem
eu voltei ao velho padrão e, em seguida, dei o mais recente telefonema a pedir
socorro, sem apresentar um porquê muito claro. Quero pintar melhor o retrato da
cena, conhecendo o tamanho da sua paciência para comigo.
Eu estava cercada
de crianças. Falavam alto e o som era tão agudo, que só me ocorria pensar numa
explosão. A irritação foi física, acredite, parecia uma alergia. Eu poderia
atribuí-la agora à poluição do ar. Se eu quisesse esconder-me de mim e de você
é o que eu diria, mas já reconheço este meu mundo fechado quando nele estou,
mais uma vez, quem sabe a derradeira.
Foi uma reação
muito humana, temos trabalhado arduamente como humanidade para acumular queixas
e aumentar culpas.
Mas o ponto foi
ganho ao final da partida, seja como for, pois eu não explodi! Nem elas. Vê como
há esperança?
Numa outra
etapa, quando eu já me comunicar melhor com quem dá-me mimos, direi que podemos
pensar de maneira diferente, mas somos parecidos, queremos nos defender de
qualquer agressão e então também nos defendemos de um comportamento legítimo. Direi,
por fim, que não adianta fugir, uma hora os outros acertam e nós, nós estamos
errados.
Só agora observo
que não fiz uma única pergunta àquele grupo de crianças! Será que realmente me
interessam, Salvador, as pessoas interessam-me?
A você admito que
a leveza faz-me falta nos momentos de tensão. Porém, entender nunca é
suficiente, continua-se a errar depois que está tudo mais claro, de acordo?
Oh não,
Salvador, e eu não esqueci do nosso acordo. Vou contar meu sonho da madrugada
que antecedeu o embaraço e o telefonema, pois estive monossilábica contigo. Enfim,
foi justamente antes do deslize que o sonho aconteceu.
Sonhei com
meus dentes partidos, a gengiva a sangrar, e quando vi o realismo do machucado
no rosto de alguém (porque então parecia ser o rosto de outra Maria), a cena me
incomodou demais. Temi estar prestes a cair, entretanto não imaginava nem o passo
em falso nem as consequências, imaginava o impacto da boca na quina, a boca que
eu deveria ter mantido mais fechada por algum motivo que virou névoa durante
aquele pedaço do sonho. Mesmo assim insisti em subir escadas, em sustentar-me
um instante nas beiradas. Podia cair, podia não conseguir proteger-me, um
estrondo no meio da normalidade, mas eu continuava em movimento. Alguns julgavam
que estar parada era uma afronta à normalidade. E eu não sabia o que fazer em
nenhuma daquelas cenas do meu filme, Salvador.
Não foi por
acaso que hoje de manhã cedi, como se vê. Cedi após ter suposto que tinha as
rédeas nas mãos, a controlar o meu cavalo e a tropa toda.
Aparentemente,
só acordei naquela sala improvisada, quando ouvi o eco das minhas palavras
descontroladas e sem sentido, ferindo o ouvido dos outros.
Saí de lá
sendo o eu que menos desejo encontrar por aí.
Diga-me, porque
eu preciso sair para caminhar: qualquer um teria reprimido a bagunça, para conter
o ímpeto daquelas criaturas? Quando é que, nesse toada das responsabilidades e
dos atalhos até uma solução, uma pessoa se esquece de ser tirana?
O sorriso contido
de uma menina numa das cadeiras da frente mostrava-me um lampejo de satisfação,
enquanto eu tentava disciplinar o caos e me reencontrar. Ela já sabia de tudo.
Até parecia
ter esperado aquela minha reação. Pode ser que não tenha forças para falar. Uma
menina desajeitadamente obediente, que se tinha feito notar uma três vezes
desde que eu entrara para substituir a professora de História.
Conservou a
boca um pouco aberta, como se estivesse a dizer exatamente o que eu dizia com o
dedo em riste, no final do sermão: silêncio.
Não era muito
mais o que ela pedia. Um pedido de cada vez, ensinou-me a menina. Pudera, ela
descobriu-me primeiro e não precisou buscar-me no fim do mundo.