Pondera, Pandora, como se isto fosse um diário

Pondera, Pandora, como se trabalhasse para rever-se, inteira, neste diário

Um ou dois aforismos
Não sei explicar o motivo, mas sempre ouvi com um misto de curiosidade e desconfiança as pessoas que gostam de dar opinão introduzida mais ou menos assim: "como diz o poeta" ou "e como disse o outro". Apesar disso, coleciono alguns aforismos, cujos autores eu prefiro indicar a deixar no ar.

Teixeira de Pascoaes, por exemplo, tinha uns fantásticos: "Amar é dar à luz o amor, personagem transcendente"; "Só os olhos das árvores vêem a esperança que passa"; "Existir não é pensar; é ser lembrado"; "A indiferença que cerca o homem demonstra a sua qualidade de estrangeiro"; "Vivemos como num estado de transmigração para a nossa fotografia".

Ele viveu em Amarante! Pena que não se respire o mesmo ar nos dias de hoje...

O aforismo dele de que eu mais gosto, no entanto, entre os que saíram publicados pela Assírio & Alvim, traz o seguinte:

"A seara não pertence a quem a semeia, pertence ao bicho que a rouba e come".

Sendo homem da terra, do chão, dos cheiros da natureza, muito embora culto, eu só posso concordar. Para um espírito muito suave - a não ser quando sente-se desafiado -, esse tipo de sabedoria condensada é sem dúvida ensinamento.


sexta-feira, 18 de abril de 2014

Ver televisão

Doraemon, o gato que conhece a tecnologia do século XXII, ajuda a família que o abriga, tirando do bolso apetrechos (uma máquina que ou recupera ou antecipa cenas, quando apontada para o local delas; uma recriadora de objetos que trabalha a partir de fotografia; um adesivo que previne acidentes). Da 1ª vez que ouvi uma referência à origem dele no tempo e ao trunfo que ele tem, gargalhei!
Era justamente o episódio do adesivo-talismã, objeto que Doraemon oferecia ao pai do seu amigo Nobita, como garantia de integridade física durante a escalada de uma montanha. Nobita tinha que experimentar o adesivo antes de o pai praticar alpinismo, para ter a certeza de que estaria realmente a resguardar o pai de acidentes. A curiosidade que sustenta o desenho animado se desembrulha nas situações em que o Nobita se mete, ao testar o adesivo: foge da mãe, com sucesso; corre do colega maior do que ele, o Gigante; evita uma nota ruim numa prova da escola etc. O adesivo é bom, afinal! E claro que ele irá proteger o pai do Nobita... Até a mãe do Nobita, mais alheia ao Doraemon, acaba por acreditar na oferta vinda do século XXII.

Por que eu gosto do desenho animado? Não sei muito bem! Nunca o tinha visto quando era adolescente, pelo menos não me lembro nem vagamente desse desenho japonês. Acho que eu não acompanhei nem um único desenho japonês nessa fase da minha vida, a adolescência.
Hoje há muitos desenhos animados japoneses na TV: Kilari, Hamtaro, Zorori etc. Não são os preferidos do meu filho, por exemplo. Ele os vê comigo meio a contragosto ou porque está acomodado com os brinquedos no sofá da sala, "à minha beira", como ele diz. Gosta mais de uns desenhos italianos que para mim são quase feios e têm personagens com umas vozes roucas, grossas, para parecerem masculinas. Ou então vê uns adaptados dos jogos eletrônicos; lembro de um desenho espanhol e de outro francês que se enquadram nessa definição sem pretensões. Nenhum deles me atrai, o exercício de imaginação a que eles convidam, sinceramente, dá-me sono, preguiça: esta personagem tem o poder não-sei-das-quantas, a outra é um elfo assim assado, num ambiente X/Y/Z usam o poder para... Existem outros de que nem ele nem eu gostamos: animais retratados em família, dentro da qual um membro comporta-se como líder inquestionável, pois está cheio de habilidades, tem carisma etc. Os sites que reúnem informação sobre esses últimos enfatizam o sucesso que os livros e as ilustrações neles já fizeram, razão pela qual o desenho animado para televisão nasceu. Não costumo me ligar às propagandas, por isso essa que apela para a ilustração bem cotada pouco significado tem para mim. O mercado infantil movimenta as livrarias, como é sabido. Nada que ver necessariamente com qualidade, com verdade. Poemas movimentam menos o mercado editorial, contos, idem. Encontram-se poucos bons livros de crônicas para comprar, poucos romances históricos bem feitos. A literatura infantil tem seu espaço, o que dizem é que ela dá as cartas, hoje. Nada estranho, então, que um livro passe à televisão porque vendeu bem. É uma questão de consumo, não de responsabilidade quanto ao bom desenvolvimento das crianças que entram em contato com determinado livro, determinado desenho.
Assim sendo prefiro o Doraemon, que do pensamento passa à ação, onde a criança está.  Não sei se ele representa o Japão ou não, mesmo tendo a informação de que ele já foi escolhido para símbolo nacional lá, com essa justificativa. Não sei se posto em papel, ele vende muito ou pouco. Gosto de continuar em paz enquanto o vejo. A mim parece uma realidade menos distorcida do que a de um jogo, uma reprodução do modelo humano, para os animais etc, embora ele, um gato, coma muitos bolinhos de que as crianças gostam. Nenhuma conclusão bombástica, só calmaria...